maio 09, 2008

Jogadores de Futebol e Amor à Camisa

Os enormes antropóides recentemente remunerados pelo Flamengo e Pelo Fenômeno trouxeram à berlinda um papo que obceca os botafoguenses: o amor à camisa. O Arnaldo, por exemplo, quando o Botafogo disparou na liderança do Brasileirão ano passado, pregou que pelo menos seis atletas alvinegros tinham direito à amarelinha, para salvar a seleção depois do provável fiasco na Copa América. Ele escreveu antes da final, é claro, e o Botafogo, soube-se depois, tinha um monte de egos conflitando no elenco, provavelmente por causa dos estimulantes ilegais que pelo menos um deles tomava, e na verdade o Brasil foi campeão e o ex-time de General Severiano não.

Na Copa de 2006 também houve uma grita geral contra os jogadores que não tinham amor à camisa, principalmente por causa daqueles que iam a boates durante a Copa. Ora, eles são jovens, ricos, famosos e, mesmo os não bonitos têm corpos que a maioria das mulheres acha irresistível. A carne é fraca. A culpa é muito mais da liderança que não compreendeu a personalidade dos sujeitos sob seu comando. Felipão, por exemplo, concentrou todo mundo, avisou que nada de sexo e levou o caneco. Ainda assim, a torcida - sintomaticamente os botafoguenses foram os mais exaltados - teimaram que faltava a eles o espírito dos ludopedistas d'antanho, ou como diziam os alvinegros, o "espírito de Garrincha". Logo quem, um sujeito famoso por não seguir instruções de técnicos e fugir da concentração sempre que possível para se meter nas zonas boêmias da cidade (onde João Saldanha dizia ser o lugar certo pra procurar quando via que ele não aparecia no hotel). É claro que ele ganhava bem menos e por isso tinha que se contentar com o bas-fond, mas certamente frequentaria locais mais vistosos hoje em dia.

A verdade é que essa Era Dourada jamais existiu, ou se existiu, foi na era do amadorismo, quando futebol era realmente disputado por entusiastas, era pouco mais do que uma pelada organizada. Mário Filho, em seu clássico O NEGRO NO FUTEBOL BRASILEIRO, de 1957, abre o livro dizendo que está cansado de ouvir essa história de reclamar que o jogador não tem mais amor à camisa e que isso, na verdade, é apenas puro preconceito. À época, contra negros, hoje contra esses sujeitos sem educação formal que invadem sem mais nem menos os lugares mais caros da cidade. Ou seja, há mais de 50 anos que os bons tempos do balípodo já tinham passado e vivemos em tempos de mercenários mercantilizados.

O mesmo pensamento ouço desde que me entendo por gente. Só que no final dos anos 70, quando jogadores como Zico e Roberto começaram a ganhar altos salários (o equivalente, no final dos anos 90, a cerca de 20 mil dólares, conforme pesquisa feita pel'o Globo), todo mundo falava ser um absurdo jogador de futebol ganhar mais do que um médico.

Ora, bolas, um médico é apenas um sujeito que estudou. Qualquer criatura de classe média, disposta a estudar um pouco mais, consegue um diploma de medicina. Às vezes até sem estudar um pouco mais mesmo. Já um esportista precisa ter a genética para tanto. Por mais inteligente que alguém seja, se não tiver coordenação motora, velocidade, visão periférica, impulsão e outras qualidades mais, não chega a lugar nenhum. E não basta isso - isso é só o começo. Há a sorte, a concentração, a escolha (quantos de nós, de classe média, não tivemos amigos extremamente bem-dotados para o esporte que não seguiram adiante porque não estavam dispostos a largar os estudos e se arriscar no movediço mundo dos clubes pequenos, times juvenis e afins?), tantos fatores como na medicina. E, além disso, estamos falando dos grandes talentos futebolísticos. Nessa mesma época em que se reclamavam dos salários do Zico, uma pesquisa da Placar levantou que 95% dos jogadores de futebol ganhavam salário mínimo. Lá no topo a história é sempre outra. Não sei por exemplo quanto o Pitanguy, o único cirurgião brasileiro que eu conheço com fama internacional, ganha, mas deve ser uma bolada também.

Não tô nem aí pra amor à camisa. Isso quem tem que ter é torcedor. Jogador tem que ter amor à vitória e ao futebol. O resto é preconceito.

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