setembro 27, 2008

Festival de Cinema 2008

A Revista Zé Pereira mudou. Agora é online, quer dominar o mundo e para isso chamou megalômanos paranóicos de toda a Web para colaborar. Fui chamado para cobrir o Festival do Rio 2008 e vou publicar simultaneamente aqui e lá tudo a que eu for assistir. A primeira crítica é do documentário sobre cegueira SENTIDOS À FLOR DA PELE:

É uma cena que passa meio desapercebida. Antony Moraes, o pai do editor e roteirista Marcelo Moraes, assiste em casa a um documentário do National Geographic. Não há ironia nenhuma na cena, nenhum humor negro. A imensa maioria desses programas pode ser acompanhada apenas pelo áudio, ainda mais agora que os reality shows invadiram os Discoverys e afins da tevê a cabo. Foram-se quase todos aquelas trabalhosas filmagens mostrando em close a larva do cabefistão dourado esperando durante 16 anos a passagem de uma joaninha-do-pé-vermelho para imobilizá-la com sua cusparada paralisante e lentamente moer seus espiráculos traqueais para poder pôr seus ovos (um amigo meu dizia preu não acreditar em nada disso, obviamente eles pagavam os bichinhos todos pra fingir isso em frente à câmera). Com os novos formatos de hoje em dia, meu primo era capaz de acompanhar Mythbusters sem pagar um tostão – a TVA bloqueava a imagem, mas o som era liberado e ele só sentia falta de saber a cara do Buster.

E é esse justamente o problema de Sentidos à Flor da Pele – a imagem é desnecessária na maior parte do tempo. O longa se desenrola como um programa do GNT, feito para as pessoas acompanharem sem completa dedicação, conversando com alguém, zapeando de vez em quando ou levantando pra pegar um pouco de arroz integral com ricota na geladeira. A câmera exibe o entrevistado durante seus depoimentos sem outro propósito que não ilustrar a voz do sujeito. A intenção do filme é mostrar como eles conseguiram se ajustar e levar uma vida normal, o que virtualmente exclui a chance de momentos de grande emotividade; num filme sobre cegueira é curioso justamente a parte visual ser tão pobre. Compare-se-o com o curta que o precede, Dreznica, em que cenas de velhos super-8 decaídos para uma dominante magenta se contrapõem às declarações dos cegos, questionando a relação entre ver, sonhar e existir, bem como entre visão e alma. Um brilhante curta, que, por uma incrível e não-relacionada coincidência, é da produtora que patrocina este saite.

E, já que falamos de documentários de tevê a cabo, seja por coincidência ou por estarmos viciados no formato, na marca de 60 minutos a fita começa também a soar redundante. Os entrevistados são aparentemente todos de classe média e bem ajustados à sociedade e cada novo personagem pouco acrescenta, com exceção do curto segmento de Ethel e seu cão-guia Gem, que acabaram levando à lei do cão-guia e a um cachorro de smoking no Municipal – enfim um pouco de humor na solenidade do documentário!

Desenrolando-se como um documentário educativo, Sentido à Flor da Pele é por demais preocupado em parecer respeitoso e solene e por isso abre mão de imagens ou montagens mais experimentais e ousadas. Competente e profissional, gasta seu tempo sem aborrecer o espectador, embora também sem o conquistar. A grande ironia final é que, dada a preocupação do diretor em mostrar a normalidade da vida de seus sujeitos, a imagem mais impressionante da fita acaba sendo a dos claros e grandes olhos da bela cantora Giovana, que remetem inescapavelmente a soturnas bonecas antigas de biscuit com seus brilhantes olhos de vidro e sugestões de mansões vitorianas mal-assombradas.

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