setembro 02, 2008

Starship Troopers

Outro dia mesmo revi o TROPAS ESTELARES. Cheguei a passar um trecho pro pessoal que veio ao debate sobre Robocop (linque no alto à esquerda), principalmente pro Sílvio, que depois de velho e filósofo, deu pra ficar meio reacionário. O livro, como tudo do Heinlein em geral, é altamente provocante e praticamente a única coisa que entrega que o autor não está endossando o pensamento militar fascista é o paralelo entre a sociedade dos insetos e os "Soldados do Espaço" (título da obra na Coleção Nebulosa de Portugal, que comprei num sebo), em que existem os soldados, os operários e toda uma sociedade de castas, dando a pista de que a humanidade estaria avançando para se tornar um enorme formigueiro (1). O filme é muito, muito mais escancarado.

Como diz um amigo meu, nenhum filme que começa com a total e completa obliteração de Buenos Aires pode ser ruim, mas pelo menos lá fora a crítica caiu de pau em cima do longa. A aparição de um dos heróis do filme num uniforme que lembra o dos SS lá pelo final os indignou, pois se o mocinho gente-boa inteligente da história veste aquilo, o diretor só poderia estar endossando o fascismo! Além de terem perdido os uniformes nazistas desde o treinamento, perderam as miríades de ironias da fita. Desde toda a eugenia na high school globalizada (argentinos, americanos e quetais todos misturados, porém com todos parecendo americanos) ao oficial recrutador aleijado ("A infantaria estelar fez de mim o homem que sou hoje" - no livro, mais sutil, o sujeito reaparece depois com próteses, andando normalmente na rua, e explica que só vai todo mutilado pro escritório para separar os homens dos meninos no alistamento).

Mesmo os personagens que parecem inimigos no começo, como o piloto que quer comer a Denise Richards, por quem nosso herói suspira, e o louro que quer ser o líder do esquadrão a qualquer custo, revelam-se amigos e camaradas depois. As atuações são um capítulo à parte: muita gente reclamou da inexpressividade dos protagonistas nas críticas, mas isso era justamente o que Verhoeven desejava: em uma das cenas, Denise Richards, no auge de sua beleza, com seu sorriso de anúncio de pasta de dente, pilota o manche como se estivesse fingindo dirigir, exatamente como se fôra uma daquelas marionetes dos Tracy pilotando os Thunderbirds.

O crítico Glenn Erickson, em sua análise, entretanto, oferece uma tese bastante plausível: os filmes de ação aos quais estamos acostumados desde o segundo Rambo são tão fascistóides e caricatos que a maioria das pessoas só se dá conta da glorificação militarista fascista na hora do uniforme SS. Trezentos de Esparta está pros jiujidocas como Star Trek ou Senhor dos Anéis para nerds. O dramaturgo João Bethencourt já ensinava que não adiantava fazer sátiras a programas do Chacrinha, do Sílvio Santos ou à ralé dos programas religiosos - tudo que já é engraçado naturalmente não tem graça satirizado. E foi essa a grande falha do Verhoeven.

Glenn Erickson é pai de adolescentes e, em algum canto de seu saite que eu não achei agora pra botar o linque, mostra os prospectos que vem recebendo das Forças Armadas desde que seus filhos completaram 14 anos (o alistamento nos EUA é voluntário). Um deles mostra uma festa na praia com vários casais jovens e atraentes - "Guarda Nacional - Sim, você pode". Outro é um sujeito esquiando numa foto radical, com alguma coisa dizendo que você se junta aos Fuzileiros e conhece o mundo (provavelmente em algum canto, com letras miúdas está escrito que a foto apenas implica que o alistado poderá ser enviado para qualquer clima extremo, tanto frio quanto quente, como, por exemplo, o Iraque).

E o filme é exatamente assim, um almanaque de jovens atraentes de cabo a rabo. Parece que a cena do chuveiro misto deixou também muita gente constrangida e achando que era apelação. A cena na verdade remete a um vestiário misto que aparece ao fundo em uma cena de Robocop, com uma policial trocando de roupa (e exibindo os seios) em meio a um monte de machos e remete à supressão e ao controle do sexo - os sujeitos perderam sua sexualidade (e individualidade) a tal ponto que um chuveiro cheio de gente bonita e heterossexual (implicitamente) e sem roupa convive normalmente. Note que o Casper van Diem vai receber mais tarde uma autorização do Michael Ironside para comer a morena loura de cabelos encaracolados. Totalitarismo é isso aí.


(1) Será que Godard tinha lido STARSHIP TROOPERS quando em Alphaville põe um personagem dizendo que estamos virando uma sociedade de cupins e formigas - e que os cupins e as formigas, em tempos imemoriais, já tinham tido também seus artistas, seus poetas, seus escritores..

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